Entrevista | Elísio Varandas, médico e Presidente da União de freguesias da Igreja Nova e Cheleiros

Jornal de mafra (JM)Como é que as entidades sanitárias internacionais deixaram chegar a covid-19 até ao presente estado pandémico, tendo sido, aparentemente, apanhadas desprevenidas? 
Elísio Varandas (EV)  – A entidade responsável, durante algum tempo, encobriu o que se estava a passar. A China tentou abafar a situação. Houve algum amadorismo na gestão destes casos, só depois de a Europa ser atingida, em Itália e logo de seguida em Espanha, é que se tomou um verdadeiro conhecimento da realidade da doença.

JM – Que avaliação faz da evolução da pandemia a nível nacional?
EV –  Tenho de dizer que sou um bocado crítico em relação a esta Diretora Geral de Saúde. É certo que Portugal teve uma política assertiva na fase inicial, com o governo a ter uma atitude positiva, uma vez que o confinamento funcionou muito bem, com isolamento de zonas críticas, mas essa realidade mudou agora com o desconfinamento. Nesta época em que há mais convívio, o número de casos tende a aumentar.

JM Isso não seria de esperar? As pessoas e a economia aguentariam maiores períodos de confinamento?
EV –
Na verdade, não podemos parar a economia. Se o fizéssemos, a desgraça, que de resto, creio que irá acontecer lá para o outono, já estaria aí. Iremos assistir a muitas falências de restaurantes e de muitas outras empresas, sendo que nesse momento, o impacto será ainda pior do que o causado pelo vírus. Há aqui um pau de dois bicos, por um lado o isolamento é necessário, em conjunto com uma vigilância apertada e com autoridade, mas por outro lado, os reflexos económicos do isolamento são muito graves. Quero dizer que é inadmissível que, na fase de confinamento, o Presidente da República tenha vindo à Ericeira brindar com uns copos de imperiais, com uns motards que por lá estavam, isto constituiu um mau exemplo, o Presidente da República é uma pessoa de risco e os motards são malta nova e esse é outro problema, pois, muitas vezes, à malta nova a necessidade de cuidados passa-lhes desapercebida.

[a propósito de covid] Temos de ser rigorosos e isto não vai lá com falinhas mansas

JM –  Porque é que não se avançou logo para a proteção dos doentes de risco, mantendo aberta a economia e potenciando a imunidade de grupo?
EV – No início da pandemia não havia ainda definições exatas, não havia uma convergência de especialistas nesta área, nem uma política de saúde comum, verificaram-se então uma série de contradições no que diz respeito, por exemplo, aos modelos de contágio.

Quem sai de confinamento e não tem fatores de risco, transmite o vírus aos idosos com quem contacta. Vou dizer-lhe, eu para além de ser médico de família, sou médico em quatro lares e ainda antes de o governo o ter decidido, proibi as visitas aos lares, e a verdade é que não temos ninguém contaminado em nenhum dos lares onde trabalho. Temos de ser rigorosos e isto não vai lá com falinhas mansas. Nos lares, o risco maior está nos seus trabalhadores, por isso, há que manter regras de higiene estritas, o uso de máscara é fundamental e é necessário fazer testes de despiste, sendo isso que faço nos quatro lares, onde, como disse, não tenho, nem tive, nenhum idoso infetado.

JM Portanto, não advogaria uma mudança de estratégia que passasse pala proteção dos doentes de risco e pelo desconfinamento geral do resto da população?
EV – Na verdade, a atual estratégia traz uma série de complicações, nomeadamente a nível familiar, imagine o que não é, em alguns casos, pessoas estarem confinadas juntas, durante quase 24 sobre 24 horas, quando as relações já são difíceis, ou ser submetido a confinamento durante duas semanas, quando é absolutamente necessário viajar para determinados países.

A câmara teve atitudes muito positivas. Mobilizou-se, nomeadamente, no que se refere ao apoio social a idosos

As implicações deste confinamento serão complicadas de gerir. Isto que se está a passar é bom para os calões, aqueles que já não faziam nada e que agora não fazem mesmo nada. Ali no centro de saúde, eles não veem ninguém. Há lá aquela Unidade de saúde Familiar (USF), que eu denomino de Unidade Sem Futuro. Estão ali a engonhar, fazem umas consultas pelo telefone… eu ainda há dias vi uma doente, com trinta e tal anos, que tinha um nódulo enorme debaixo do braço, vi-a, mandei fazer uma ecografia, mas tive de examinar a doente, porque o exame é fundamental para fazer diagnósticos.

JMComo é que avalia a gestão desta crise de saúde pública a nível concelhio? 
EV – A câmara teve atitudes muito positivas. Mobilizou-se, nomeadamente, no que se refere ao apoio social a idosos, não tenho, a esse nível, quaisquer reparos a fazer. Em termos de confinamento, quando as pessoas não se podiam deslocar, iam-lhes levar as coisas a casa.

O problema grave passa pelos locais onde se junta malta jovem. Pelo menos 50 por cento dos casos de covid do concelho de Mafra são brasileirosAs freguesias mais atingidas são a Ericeira e o Milharado. A Ericeira, com aqueles bares todos abertos, o pessoal a beber uns copos sem usarem máscara e sem estarem separados a 2 metros uns dos outros. Depois do exemplo dos motards, dado pelo Presidente da República e pelo Presidente da Câmara… não é fácil, não é fácil.

Penso que, neste caso, teria de se usar a força, com a intervenção das forças policiais, uma vez que de outra forma, não será fácil de conseguir controlar estas aglomerações de pessoas. Nesta gente mais jovem, na realidade, o vírus não tem consequências graves, passam por assintomáticos, mas transmitem a doença aos familiares que têm em casa.

Houve uma altura em que ele ocultou os casos e eu questionei-o por isso, depois alterou a sua posição e começaram a revelar o número de casos

JMO presidente Hélder Sousa Silva comunicou-lhe as moradas dos doentes de covid ativos na sua freguesia?
EV – Não. Eu também não lhe perguntei. Houve uma altura em que ele ocultou os casos e eu questionei-o por isso, depois alterou a sua posição e começaram a revelar o número de casos. O presidente faz uma reunião às segundas feiras, às 11 da manhã e eu, a essa hora, estou a fazer consultas. Por isso, eu delego a participação nessas reuniões, num dos meus assistentes.

JM – Então, a esta freguesia, essas listas não chegaram?
EV – Eu não tive conhecimento, mas são capazes de ter chegado, ele não faz discriminação. Ainda há dias lhe pedi um apoio e ele não se negou a prestar esse apoio.

JM – Como é que avalia a entrega de listas de infetados aos presidentes de junta, nomeadamente em meios pequenos, rurais, onde toda a gente conhece toda a gente?
EV – Eu não acho bem. A doença é um segredo médico e como tal, não tem de ser divulgado.  No entanto, neste caso, temos de ter em consideração que as pessoas que não se confinam são um risco. Assim, essas pessoas sabendo que foram identificadas, sabem que poderem ser confrontadas se andarem aí na rua, devendo estar em casa. Temos aqui um pau de dois bicos, mas, na verdade, a doença, primeiro que tudo é um segredo médico.

Num meio destes, corria-se o risco de as pessoas serem quase vistos como leprosos

A Igreja Nova esteve muito tempo sem casos de covid, e temos muita gente que vai trabalhar todos os dias para Lisboa.

JM – Alguém da câmara municipal lhe pediu que tomasse algum tipo de medidas específicas em relação a esses doentes?
EV – Não.

JM – Como é que vê a eventual quebra da privacidade destes doentes, sobretudo num meio como o do concelho de mafra?
EV – Num meio destes, corria-se o risco de as pessoas serem quase vistos como leprosos, é mesmo assim.

JM – Neste ataque à pandemia, o que é que faria de diferente, se tivesse a autoridade e os meios para isso?
EV – Não faria muito mais. Talvez fosse mais ativo com as autoridades, com uma vigilância mais apertada nos locais onde há uma mobilidade grande em direção a Lisboa, como é o caso do Milharado e da Ericeira.

O Dr. António Martins, pressionado por Hélder Silva, que deu o terreno e fez a obra, encerrou a Igreja Nova e abriu o novo centro de saúde em Mafra

JM – O que é que está a falhar na gestão do ACES Oeste Sul, recordando que a atual gestão foi instalada já pelo governo do seu partido?
EV – Isto é uma barbaridade. Tive uma reunião com o Diretor Executivo do ACES Oeste, António Martins, com quem me peguei. Levei 3 testemunhas e fiz-lhe uma pergunta muito direta, “Dr. Martins, estão a fazer um centro de saúde novo em Mafra, quando abrir o novo centro de saúde, vai encerrar o da Igreja Nova?”. Respondeu-me que não, pois a Igreja Nova tinha mais de 2 000 pessoas. Ora, 2 000 tenho eu no meu ficheiro, quando só devia ter 1 800 e a União de Freguesias tem 5 500 pessoas. Mas o Dr. António Martins, pressionado por Hélder Silva, que deu o terreno e fez a obra, encerrou a Igreja Nova e abriu o novo centro de saúde em Mafra. E é vergonhoso, ao tempo que o centro de saúde já abriu, ter uma instalação de raios x parada e 3 técnicos de raios x parados e a receber o ordenado por inteiro, sem que façam uma radiografia. Como é que é possível este modelo de gestão? É como ter um restaurante com 3 empregados, mas não ter cozinheiro.

O presidente Hélder Sousa Silva já me veio chatear com isso, “oh doutor, mas ele é do seu partido…” e foi reconduzido há pouco tempo. O Hélder Silva, que é um homem inteligente e esperto, diz que ele é um banana, mas depois tira partido disso. 

JM – Mas quer mesmo utilizar essa expressão na entrevista?
EV –
Mas eu já lho disse. Eu fui lá ter uma reunião, com 3 pessoas e com testemunhas e disse-lhe. Disse-lhe que ele tinha 2 anos quando eu me formei, e que ele tinha uma falha grande na sua educação, ele é um individuo mal educado. Chefia um ACES com 400 pessoas e nunca se apresentou a ninguém. A primeira vez que foi à Ericeira, entrou pela porta da garagem, o segurança ficou assustado.

Um doente idoso da Igreja Nova, que precise de um medicamento, tem de vir da Igreja Nova a Mafra, esperar no centro de saúde, depois volta para a Igreja Nova e 48 horas depois tem de regressar a Mafra para recolher a receita

O senhor é mentiroso, é mal educado e é incompetenteEu já nem converso com o senhor, porque ele mentiu-me descaradamente, comprometeu-se com uma coisa e depois não cumpriu. O próprio Hélder diz muito mal dele, mas depois dá-lhe jeito apoiar-se, como há dias quando entregou as carrinhas. Ouvi um borborinho à porta do centro de saúde e fui ver o que se passava. Eram 4 carrinhas que o Hélder levou para oferecer ao centro de saúde, foi lá colocar as carrinhas, mas são da câmara. Por um lado é bom, porque ele paga o seguro, paga o imposto dos carros e o centro de saúde é que os usa. Nessa entrega, ao lado do presidente da câmara estava o presidente do ACES, então quando eu vim à porta, disse “senhor presidente Hélder Silva, mas as eleições não são só no próximo ano? O senhor já começou a campanha eleitoral?“, diz-me então o presidente “o doutor tenha calma, olhe que aqui o seu chefe ainda lhe dá um castigo“, responde-lhe que “nem a minha mulher me castiga, quanto mais…“.

Eu tive sempre muitos doentes, num dos últimos trimestres, a média de prescrições dos meus colegas é de 1 500 caixas por trimestre, enquanto eu passei 8 770 caixas, sendo certo que tenho os lares, onde os doentes consomem muitos medicamentos. Ora o presidente do ACES proibiu-me de inscrever doentes que não sejam da minha lista, doentes esporádicos, e começou a perseguir-me por esta situação. A verdade é que há médicos que ganham mais, se prescreverem menos e gastarem menos.

JM – O centro de saúde da Igreja Nova é o parente pobre do novo centro de saúde?
EV – Basta referir, que se tentar fazer uma chamada telefónica para o centro de saúde, não consegue ligação. Um doente idoso da Igreja Nova, que precise de um medicamento, tem de vir da Igreja Nova a Mafra, esperar no centro de saúde, depois volta para a Igreja Nova e 48 horas depois tem de regressar a Mafra para recolher a receita. A Igreja Nova tem 5 500 pessoas e uma população muito envelhecida, sendo que muitos destes idosos vivem sozinhos.

Eu não tenho nada de pessoal contra ninguém, mas ao anterior coordenador do PS em Mafra, eu fazia-lhe várias críticas [] houve uma mudança para melhor

JM – Como é que vê o futuro pós-covid?
EV – Espero que haja uma vacina e que aumente também a imunidade de grupo na população, mas há quem esteja à espera de um grande surto lá para outubro… há que redobrar os cuidados durante pelo menos mais 6 meses, manter algum confinamento e instituir restrições em relação aos grupos de risco. Não podemos facilitar.

JM – Como é que a Câmara de Mafra tem tratado a única freguesia da oposição?
EV – Duma forma razoável. As janelas da junta estão a apodrecer e pedi ajuda à câmara para proceder à reparação, porque a junta não tinha verba, e na verdade a câmara vai ajudar.

JM – O que é que falta ao Partido Socialista de Mafra para ser credível aos olhos da população, enquanto alternativa de poder no concelho?
EV – Não é fácil. Eu não tenho nada de pessoal contra ninguém, mas ao anterior coordenador do PS em Mafra, eu fazia-lhe várias críticas. O José Graça é uma pessoa muito mais aberta e mais próxima dos acontecimentos. Houve uma mudança para melhor. Atualmente, com a mudança da liderança, há uma relação muito mais aberta e mais próxima.

Mafra é um concelho com 80 000 pessoas, com muita gente que trabalha em Lisboa, sendo um concelho onde o PS ganhou as eleições europeias, mas depois nas eleições locais…é certo que Hélder Silva tenta tirar proveito até das coisas mais pequeninas, mas o PS tem necessariamente que ter uma maior expressão eleitoral no concelho de Mafra.

O PS em Mafra tem de fazer uma maior aproximação à população e tem de apresentar propostas mais válidas e mais interessantes

Eu ganhei a Igreja Nova porque sou cá médico e trato da saúde das pessoas. Quando, durante a anterior campanha para as autárquicas, Hélder Silva veio fazer um comício ao Carvalhal, e cá fora tinha um cartaz que dizia “Hélder Silva Sempre a Inovar“, eu disse-lhe, “onde é que o senhor estava, quando o seu amigo Passos Coelho fechou a maternidade de Torres Vedras, obrigando as minhas doentes a ir parir para as Caldas da Rainha?”. São 100 quilómetros daqui às Caldas, se não tiver transporte próprio, sabe como é que se vai daqui para as Caldas? Vai de autocarro até Mafra, daí novo autocarro até Torres Vedras e daí novo transporte para as Caldas da Rainha e depois volta.

O PS em Mafra tem de fazer uma maior aproximação à população e tem de apresentar propostas mais válidas e mais interessantes, o que penso já estar a acontecer com José Graça na liderança. Sérgio Santos também apresentou propostas, mas as personalidades e os modos de estar são diferentes. O PS tem agora grandes possibilidades de crescer em Mafra.

JM – O PS vai manter a Igreja Nova do seu lado? Vai recandidatar-se?
EV – Eu mereço gozar a minha reforma com alguma tranquilidade, embora depois de reformado pretenda continuar a trabalhar na clínica privada.

Em relação à possibilidade de me recandidatar, confesso que se me tivesse feito essa pergunta há uns tempos atrás, eu diria que não. Atualmente, é uma coisa em que ainda terei de refletir mais, mas o meu relacionamento com o José Graça é bem mais próximo do que com o Sérgio Santos, não que tenha qualquer razão de queixa do Sérgio Santos.

JM – Portanto, vai recandidatar-se?
EV –
Em princípio…

Atualizado a 21-07-20 às 13:30

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